Tratamento da Obesidade - Emagrecimento - Gary Taubes Cap 8
Tratamento da obesidade - Emagrecimento
Resumo do livro: Porque engordamos e o que fazer para evitar? - Gary Taubes
Capítulo 8: Caso mental
De todas as ideias perigosas que as autoridades em saúde podem ter abraçado enquanto tentavam entender por que engordamos, dificilmente encontraram uma mais nociva do que a do balanço calórico. O fato de que reforça o que parece ser tão óbvio – a obesidade como uma punição por gula e preguiça – é o que a torna tão sedutora. Mas é, em tantos aspectos, enganosa e malconcebida, que é difícil imaginar como sobreviveu incólume e praticamente incontestada durante os últimos cinquenta anos. Causou danos incalculáveis. Não só esse pensamento é, ao menos em parte, responsável pelo número cada vez maior de pessoas obesas e acima do peso no mundo – ao desviar a atenção das verdadeiras razões pelas quais engordamos –, como serve para reforçar a percepção de que elas são as únicas culpadas por seu estado clínico.
O fato de que uma alimentação restrita invariavelmente fracassou como cura para a obesidade raras vezes é percebido como a razão mais importante para nos fazer questionar nossos pressupostos, como Hilde Bruch propôs há meio século. Em vez disso, é tido como mais uma evidência de que os gordos e obesos são incapazes de seguir uma dieta e comer com moderação. E atribui a culpa por sua condição física diretamente a seu comportamento, o que não poderia estar maisdistante da verdade.
Tem de haver uma razão, é claro, para que alguém coma mais calorias do que gasta, em particular considerando-se que a punição por fazer isso é sofrer as crueldades físicas e emocionais da obesidade. Deve haver um defeito em alguma parte; a questão é onde.
A lógica do balanço calórico possibilita uma única resposta aceitável para essa pergunta. O defeito não pode estar no corpo, porque isso implicaria que alguma outra razão que não uma alimentação excessiva fosse fundamentalmente responsável por nos fazer engordar. Contudo, não se admite essa possibilidade. Então, o problema deve estar no cérebro. E, mais precisamente, no comportamento, o que o torna uma questão de caráter. Comer demais e se exercitar de menos, afinal, são comportamentos, e não estados fisiológicos, um fato que é ainda mais óbvio se usarmos a terminologia bíblica – gula e preguiça.
Por que a obesidade é curada tão raramente, se é que alguma vez, por meio do que deveria ser um
simples ato de comer menos? Mais uma vez, não se admite essa possiblidade. Então,em vez disso, dizemos que a dieta não funciona porque a pessoa obesa não é capaz de seguila.É por falta de determinação, por carecer da força de caráter necessária para fazer o que fazem as pessoas magras e comer de forma moderada. Uma vez que uma alimentação excessiva é estabelecida como a causa fundamental da obesidade, culpar o comportamento – e, portanto, uma falta de caráter e de força de vontade –é a única explicação aceitável.
A única mudança com o passar dos anos é que, hoje, os especialistas expressam o conceito de maneiras que não parecem imediatamente ter tais implicações degradantes. Se nos referimos à obesidade como um distúrbio alimentar, por exemplo, como é comum desde os anos 1960, não estamos dizendo que os obesos não comem como os magros porque não têm força de vontade – só estamos dizendo que eles não comem como os magros.
Talvez aqueles que engordam sejam simplesmente suscetíveis demais aos sinais externos no que se refere à alimentação, uma explicação comum nos anos 1970, e pouco suscetíveis aos sinais internos, que lhes informam quando comeram o suficiente, mas não em excesso. Isso não afirma de maneira explícita que eles carecem de força de vontade; em vez disso, insinua que algo no cérebro dos obesos faz que seja mais difícil para eles do que para os magros resistir ao cheiro de um bolo ou à visão de um McDonald’s. Ou que eles têm mais probabilidade de pedir uma porção maior ou de continuar comendo, ao passo que uma pessoa magra não a pediria, para começar, ou não se sentiria impelida a terminá-la.
Grande parte dos discursos profissionais sobre obesidade dos últimos cinquenta anos pode ser percebida como tentativas de contornar o que poderíamos chamar de “caso mental” das implicações do balanço calórico: como culpar uma alimentação excessiva pela obesidade sem culpar o indivíduo obeso pela fraqueza humana da autoindulgência e/ou ignorância. Se a epidemia de obesidade tem como causa a “abundância”, como discuti anteriormente, ou um “ambiente alimentar tóxico”, podemos conceber que o caráter dos obesos não é responsável pela obesidade e, ao mesmo tempo, continuar afirmando que eles só ficaram desse jeito porque não conseguiram comer com moderação.
Enquanto acreditarmos que as pessoas engordam porque comem demais, porque consomem mais calorias do que gastam, estaremos, em última instância, colocando a culpa em um estado mental, uma fraqueza de caráter, e deixando a biologia humana totalmente de fora da equação. Sontag tinha razão: é um erro pensar dessa forma com relação a qualquer doença. E é desastroso quando se trata de explicar por que engordamos. Como deveríamos estarabordando o problema? Como devemos pensar sobre isso para conseguir avançar? Essas são perguntas que começo a responder no próximo capítulo.